Há mais de dois séculos, o Ceará destaca-se pela riqueza de sua tradição literária e cultural. Desde os Oiteiros (1813), saraus que se realizavam no palácio do Governador Sampaio, cada geração de escritores cearenses tem se organizado coletivamente para combater o marasmo cultural e promover o pensamento crítico e estético entre a população. Esses coletivos e agremiações criaram e divulgaram diversas publicações, como antologias, livros, revistas e jornais literários, buscando manter viva e dinâmica a cena cultural no Ceará.

Com o intuito de conscientizar as pessoas da importância cultural da literatura cearense, na gestão do governador e acadêmico Lúcio Alcântara, por meio da lei estadual Nº 13.411, de 15 de dezembro de 2003, de autoria do ex-deputado Adahil Barreto, houve a instituição do “Dia da Literatura Cearense”, que passou a ser comemorada no dia 17 de novembro, em homenagem ao nascimento de Rachel de Queiroz. Com a publicação do romance O Quinze (1930), a escritora alcançou ampla repercussão, conquistando o interesse dos leitores e da crítica, ao alavancar uma nova estética do ciclo dos romances nordestinos na ficção brasileira. Pela força poética de suas narrativas, Rachel de Queiroz tornou-se símbolo da literatura e da cultura cearense, assim como Patativa do Assaré, José de Alencar, Juvenal Galeno, Oliveira Paiva, Antônio Sales, Rodolfo Teófilo, Moreira Campos, Francisca Clotilde, Emília Freitas, Ednardo, Belchior e a agremiação literária e artística, Padaria Espiritual.

Integrando as comemorações que celebram a data criada pela lei estadual, o Grupo de Pesquisa “Literatura Cearense Comparada, coordenado pelo Prof. Dr. Charles Ribeiro Pinheiro, com apoio do Programa de Pós-graduação em Letras da Universidade Federal do Ceará e da FUNCAP, promove o III Simpósio de Literatura Cearense: do ignoto ao fantástico no Ceará” um evento dedicado a explorar as fronteiras do insólito, do sobrenatural e da imaginação transgressora na produção literária do Ceará. Nos dias 17 e 18 de novembro, reuniremos estudiosos, pesquisadores, escritores e o público em geral para ciclos de palestras, mesas de debates e comunicações, que têm como eixo temático central a rica e multifacetada literatura fantástica, gótica e de ficção científica produzida por autoras e autores cearenses.

Nas últimas décadas, observa-se um aumento no interesse por literatura especulativa no Brasil, sobretudo, fora do eixo Rio-São Paulo, o que demanda que os outros centros literários sejam valorizados e estudados com profundidade (inclusive o Ceará).

​

A literatura cearense, embora frequentemente associada ao regionalismo e ao realismo social, possui uma vertente igualmente poderosa e de longa data voltada para o fantástico, o gótico e a ficção científica, manifestada desde o século XIX até os dias atuais. Este campo, contudo, nem sempre recebeu a devida atenção na historiografia literária tradicional, o que vem mudando com bastante vigor nas últimas décadas.

O evento se justifica pela necessidade urgente de resgatar, celebrar e debater a trajetória de autores e obras que, ao explorarem o insólito, o horror, o folclórico e o sobrenatural, não apenas se alinharam a correntes estéticas universais (Gótico e Romantismo), mas também utilizaram o fantástico como ferramenta potente para a crítica social, a subversão de paradigmas morais e a sondagem das questões mais profundas da psique humana. E, principalmente, o Simpósio busca debater e valorizar a rica produção contemporânea cearense destas interessantes e potentes vertentes.

​

Este encontro propõe-se a explorar o legado de Emília Freitas, Adolfo Caminha e Juvenal Galeno, bem como a diversidade das manifestações fantásticas cearenses, desde as pioneiras até produções contemporâneas, dialogando com teorias literárias e novos caminhos de interpretação.

​

Homenagear Emília Freitas – autora de A Rainha do Ignoto (1899), considerado o primeiro romance de literatura fantástica e ficção científica do Brasil – é reconhecer o papel pioneiro e feminista do Ceará neste gênero. A trama do romance aborda uma sociedade secreta liderada por uma figura enigmática, a Rainha do Ignoto, que luta pela justiça e pela emancipação feminina, subvertendo a concepção tradicional da mulher na literatura oitocentista. A obra de Emília Freitas combina elementos do gótico, do fantástico e de crítica social, inserindo-se num movimento de resgate de autoras que, historicamente, foram apagadas dos cânones regionais.

​

Além de Emília Freitas, celebraremos os 160 anos de publicação do romance Iracema, os 160 anos de publicação de Lendas e canções populares, de Juvenal Galeno, e os 130 anos de publicação de O Bom-Criolo e Cartas Literárias de Adolfo Caminha

​

O III Simpósio busca fomentar a interlocução entre a academia e a comunidade em geral, envolvendo professores, alunos, leitores e público externo no debate sobre literatura especulativa; divulgar obras e autores cearenses pouco conhecidos no cenário nacional, contribuindo para sua circulação e recepção ampliada e fortalecer redes de pesquisa e de colaboração literária regional, criando vínculos entre pesquisadores, universidades e coletivos literários do Ceará.

​

Portanto, ler, estudar e conhecer as autoras e autores cearenses são atos de resistência fundamental para valorizar a identidade cultural do estado, aguçar o senso de pertencimento sobre as nossas tradições culturais, criar um público leitor consciente da importância de apoiar e de promover a produção literária cearense e ampliar nossa compreensão da contribuição do Ceará para diversidade literária brasileira.