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ALENCAR E NABUCO: DOIS POLEMISTAS E CAVALOS

Uma das mais instigantes polêmicas da literatura brasileira ocorreu entre José de Alencar e Joaquim Nabuco. O mote da briga foi a repercussão negativa da peça O jesuíta, escrita por Alencar em 1860, somente encenada em 1875. O espetáculo atraiu pouco público ao Teatro São Luís, no Rio de Janeiro, saindo de cartaz após a terceira apresentação. Após esse fracasso, a polêmica se instaurou quando Nabuco, anonimamente, escreveu um texto ácido contra a peça, no jornal O Globo. Esse confronto verbal é significativo para observamos a tensão na construção da tradição literária brasileira, pois Alencar já era considerado o "chefe da literatura nacional", segundo Afrânio Coutinho. O desafiador, Joaquim Nabuco, era jovem aristocrata, filho de um senador imperial, que passou uma longa estadia na França e, para se afirmar como novo escritor, imprescindível era demolir o "gigante".

Nabuco iniciou a série de ataques com a coluna "Aos domingos", no dia 03 de outubro de 1875, com o intuito de "fazer um minucioso exame da obra literária de Alencar". Com a repercussão do texto, revelou sua identidade e escreveu mais sete artigos. Impetuosamente, acusou o autor de Iracema de estar em decadência literária; de ser um escritor de gabinete que 'desconhecia' as paisagens brasileiras que pintava; de entregar um livro mais falso do que outro e de só ter sucesso na imprensa, pois coagia os jornalistas com seu prestigio político.

José de Alencar, aborrecido com as críticas, defende a sua peça e, ao descobrir a identidade do seu algoz, vai escrevendo mais artigos irritadiços no mesmo jornal. A troca de desaforos se estendeu por três meses: Nabuco, aos domingos, e Alencar, às quintas.

O mais interessante dessa polêmica é a comparação entre escritores e cavaleiros, por Nabuco. Ele comparou a atividade literária a uma corrida e a obra de cada autor a um cavalo, tendo como hipódromo principal, o Rio de Janeiro.

No concorrido turfe do romantismo, cujo prêmio era a "popularidade" entre os leitores, citou vários corredores como Gonçalves de Magalhães, Sales Torres Homem, Porto Alegre, Pereira da Silva, contudo, declarou que o "jockey do Guarani" se encontrava muito adiantado e o único que lhe estava próximo era Joaquim Manuel de Macedo. Na metáfora do crítico, os cavalos de Alencar foram vencedores porque, além do público ser diminuto, os concorrentes fraquíssimos.

Em contrapartida, Alencar com a missão de "arrancá-lo do êxtase em que vive como um narciso namorado de si" usou vários epítetos para desqualificá-lo como escritor, taxando-o de "folhetinista parisiense", "tribuno gorado", macaqueador da língua francesa e, para ser alvo constante da atenção pública, seus textos nos jornais serviam como um "tônico" ao "orgasmo de vaidade" que impacientemente cultivava.

Sobre a metáfora suscitada, Alencar como "jockey" afirma que se sua "Carta sobre Confederação dos Tamoios" foi uma égua voraz, enquanto o irrelevante "Sr. J. Nabuco" não passava de um Dr. Fausto montado em um cabo de vassoura, "a cavalgar por esses ares a fora, levando por pajem um Mefistófeles, bom diabo, fanfarrão, mas inofensivo".

Anos depois, no livro Minha Formação, Joaquim Nabuco reconheceu ter sido bastante audacioso e imaturo em tentar demolir José de Alencar que também tinha uma face prepotente. Os dois foram intelectuais que contribuíram inestimavelmente para a cultura brasileira, porém o embate verbal estampado nos jornais nos revela que nem tudo são flores em relação à Literatura, constituindo-se também num minado espaço de concorrência. No afã de vituperar um contra o outro, os escritores se comportaram mais como cavalos do que cavaleiros.

Artigo: Alencar e Nabuco: dois polemistas e cavalos.

Publicação: Revista Maracajá, Jornal O POVO. Fortaleza, p. 4 -5, em 20 maio 2019.





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