Charles Ribeiro Pinheiro
Diariamente, as pessoas leem 'textos literários" que incluem obras de ficção e poesia e compartilham suas impressões e opiniões. Ler e discutir literatura pode ampliar a nossa capacidade de escrever. Essa atividade pode aguçar nossas faculdades reflexivas, permitindo-nos avaliar obras e compreender melhor a razão da literatura ter um efeito tão poderoso em nossas vidas.
Esse poder da literatura ocorre, pois ela se utiliza da palavra para criar mundos imaginários e para expressar ideias, educar os sentimentos, contar histórias. Essa criação ficcional e poética ocorre a partir das palavras escritas, ou da oralidade. Segundo Vincent Jouve, o valor da obra literária reside no seu estatuto de obra de arte, isto é, se esvaziarmos o valor artístico de um texto literário, ele passa a ser um mero objeto de linguagem. Portanto, o valor específico da literatura advém do fato de ser a arte da linguagem (JOUVE, 2012).
Então, ao lermos um texto literário e ocorrer questionamentos, juízos de valor e, organizamos essa reflexão em um discurso organizado, estamos efetuando uma crítica literária.
Especificamente, a atividade da crítica literária se refere a um gênero de escrita em que um leitor especializado interpreta um texto literário, seja uma obra de ficção, uma peça teatral ou poética. Alternativamente, alguns textos de crítica contam com uma teoria particular de interpretação que lhe dá suporte, construindo uma leitura de uma obra literária ou refutando a leitura dessa obra por outros críticos.
Atualmente, as pessoas podem discutir suas opiniões acerca das obras literárias informalmente (em cafés, em clubes de leitura, nas redes sociais), mas a maior parte da crítica literária ocorre de maneira mais formal: em salas de aula de faculdades, periódicos profissionais, revistas acadêmicas e culturais, em jornais e sites. Por sua vez, alguns alunos de letras, jornalistas, pesquisadores e professores publicam seus trabalhos em revistas acadêmicas de crítica literária especializada ou em grandes veículos de imprensa.
Sobre a atividade crítica, a professora Bella Jozef nos explica que
o texto constrói sua própria teoria, pois em sua trama desvelam-se suas próprias estruturas. Deixemos a obra falar. A criação literária exige uma forma de pensamento crítico como metodologia de análise. A fecundidade de uma teoria mede-se pela - capacidade de engendrar um poder construir sentidos que desconstruam a própria teoria quando não se mostrar adequada a seu objeto. [...] Conscientes que somos da carga de subjetividade que impregna todo trabalho crítico, cremos que nenhuma análise pede pretender: esgotar as possibilidades de uma obra, já que há vários níveis de leitura, configurados na plurissignificação de um texto (1980, p. 85).
O crítico é feito pelo esforço de compreender, interpretar e explicar o texto literário (BOSI, 1988). Contudo, apresenta especificidades em relação à atitude filosófica e à pesquisa científica. O crítico literário tem diante de si um objeto diferenciado, pois não é como uma coisa ou ente qualquer do mundo, é uma obra artística que utiliza a linguagem verbal para simbolizar e recriar a realidade.
O crítico, antes de tudo, é um leitor. Quando ele dá forma à sua interpretação, se dirige a uma comunidade de leitores que, de certa forma, também são intérpretes do texto literário, responsáveis por dar sentido ao texto. Mas, o desafio do crítico é escrever um texto que tente resgatar para os leitores o evento complexo, subjetivo e histórico que é o ato da criação literária, quando o escritor/poeta dá forma às suas ideias e emoções (BOSI, 1988). O crítico deve ser um mediador cultural entre o texto literário e os leitores.
Ao longo dos anos, os teóricos e críticos literários discutiram sobre as melhores maneiras de interpretar a literatura. Consequentemente, muitas "escolas" ou "teorias da crítica" surgiram. O pesquisador Antônio Cândido, em Formação da Literatura Brasileira (1959) nos alerta que para o pesquisador o que interessa "é o texto exprime". A crítica, portanto, é uma escrita em que as evidências que justificam os argumentos do intérprete se encontram no texto analisado, sejam formais ou de sentido.
Ao escrever uma crítica ou resenha de livro, deve-se identificar, resumir e avaliar as características formais, estéticas, ideias e informações apresentadas pelo autor. O objetivo de uma crítica de livro é compartilhar a opinião sobre o texto literário e, ao mesmo tempo, apoiar o julgamento com evidências do texto.
A seguir, de modo sintético, apresentaremos sete etapas que podem auxiliar a escrever uma resenha/crítica de um livro ou texto literário:
1) Ler o livro/texto. Não há como contornar isso: é crucial ler o livro inteiro antes de escrever uma crítica. Essa é a única maneira de mergulhar na experiência de leitura completa. Estar atento à experiência de leitura e observar o que é captado formalmente e traços que chamam atenção. Alfredo Bosi nos diz que devemos 'mergulhar no texto".
2) Fazer anotações. Ao terminar de ler o livro, voltar e fazer anotações breves e objetivas. Rever as seções que capturam ou prendem a atenção. Ao revisar as anotações, tentar decidir quais são os principais eventos do livro e quais foram seus efeitos sobre o crítico-leitor. Quais sentimentos e sensações o poema/texto causou? Aqui estão alguns pontos que podem ajudar a estabelecer a base para a revisão:
Explicar como o livro/texto pode nos afetar.
Explicar como o autor construiu os efeitos estéticos e estilísticos do texto.
Explicar os temas, símbolos, imagens recorrentes do texto e de outras obras do autor.
Explicar a relação entre forma (linguagem literária) e conteúdo.
Explicar a função de cada personagem em um texto ficcional.
Explicar as relações dos personagens entre si.
3) Resumir o livro. Antes de começar a compartilhar as opiniões pessoais sobre o livro, escrever uma breve visão geral da história. Dedicar duas ou três frases na introdução para fornecer uma breve sinopse da trama. Informar aos leitores sobre o assunto do livro, sem revelar muito.
4) Contextualizar o livro. Frequentemente, obter essas informações na capa e na introdução do livro. Caso contrário, talvez seja necessário fazer uma pequena pesquisa em outros livros, jornais, livros historiográficos, outras resenhas e na internet. Passar algum tempo relacionando esse livro a obras semelhantes do autor ou do mesmo gênero para aprofundar a explicação e julgamento. O livro faz parte de um sistema literário e compreender a sua historicidade é importante. Algumas questões importantes a serem consideradas:
Esse é o primeiro livro do autor ou ele já é experiente?
Em que gênero o livro pode se encaixar?
Como esse livro dialoga ou inova em relação aos outros livros do mesmo gênero na tradição literária?
O autor só escreve esse mesmo gênero analisado ou a sua obra é diversificada?
O estilo de escrita do autor modificou-se ao longo do tempo, é o mesmo em suas variadas obras?
5) Construir uma opinião. Buscar ser específico. Não dizer apenas se o livro é bom ou ruim, mas explicar o porquê. Apoiar a opinião com exemplos específicos do texto e construir um julgamento simples para uma avaliação subjetiva e bem fundamentada. Como nos alertou Machado de Assis em "O ideal do crítico", é importante encontrar um equilíbrio entre compartilhar uma opinião sem insultar outros leitores que possam ter gostado ou não do livro. Em última análise, se esforçar para ajudar leitores em potencial a determinar se vale a pena ler este livro ou não. Algumas dicas a serem consideradas:
Se não gostar do livro, tentar entender/explicar por que outras pessoas podem gostar dele e vice-versa.
Ser específico na escolha de palavras para transmitir a opinião. Evitar o uso de palavras não descritivas e críticas, como "bom", "ruim", "positivo" ou "negativo".
6) Evite spoilers. Embora spoilers (revelação dos aspectos da trama) possam ser tentadores, fazer isso pode prejudicar a experiências dos leitores com o texto. O crítico deve fornecer aos leitores informações suficientes para despertar o interesse pelo livro, dando a oportunidade de formular suas próprias opiniões. Se o crítico se sentir inclinado a incluir um spoiler em sua análise, que julga essencial para a interpretação, pelo menos mencione-o no início da avaliação.
7) Revisão. Depois de escrever o comentário, revisitar e revisar o texto. Verificar e garantir que todas as informações e detalhes que foram fornecidos sejam precisos. Realizar uma revisão gramatical ou ortográfica ou encaminhar a um corretor profissional. Se existir tempo para uma revisão mais aprofundada, observar atentamente se as evidências e justificativas são logicamente sólidas. Algumas perguntas finais a serem feitas durante a revisão final:
Foram explicados os principais aspectos do livro?
O texto interpretativo foi escrito para a leitura de outros críticos e professores ou para os leitores das obras literárias? (ou seja, o grande público)
A conclusão da leitura interpretativa está apoiada em evidências textuais e da teoria literária?
Essas foram informações iniciais sobre a escrita de crítica literária. A literatura é complexa e vasta, por isso nos a amamos. O desafio está lançado: ler e escrever sobre as obras. E o embasamento crítico nasce com muito leitura, não só de textos literários, sobretudo, de ciências humanas em geral, especialmente, os filosóficos.
Enfim, boas leituras e escritas!
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ASSIS, Machado de. O ideal do crítico. In: Obra Completa de Machado de Assis. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, vol. III, 1994.
BOSI, Alfredo. "A interpretação da obra literária" In: Céu, inferno. Ensaios de crítica literária e ideológica. São Paulo: Ática, 1988.
CULLER, Jonathan. Teoria literária: uma introdução. Trad. Sandra Vasconcelos. São Paulo: Beca Produções Culturais, 1999.
ECO, Umberto. Obra aberta. São Paulo: Perspectiva, 1986.
JOSEF, Bella. A questão da crítica e a crítica em questão. In: Função da Crítica. Revista Tempo Brasileiro. Nº 60, 1980.
JOUVE, Vincent. Por que estudar literatura? Trad. Marcos Bagno e Marcos Marcionilo. São Paulo: Parábola, 2012.
PICON, Gaetan. O escritor e sua sombra: introdução a uma estética literária. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1970.
PINHEIRO, Hélder (org.). Pesquisa em literatura. Campina Grande: Bagagem, 2003.
PORTELLA, Eduardo. Fundamento da Investigação Literária. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1974.
ROGER, Jérôme. A crítica literária. Rio de Janeiro: Difel, 2002.
SOUZA, Roberto Acízelo de. Teoria da literatura. 10. ed. São Paulo: Ática, 2007.
WELLEK, René; WARREN, Austin. Teoria da literatura e metodologia dos estudos literários. Trad. Luís Carlos Borges. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
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