Charles Ribeiro Pinheiro
Os documentários da série Mestres da Literatura, produzidos pela TV escola, sintetizam a vida e a obra de grandes escritores brasileiros. O filme Lima Barreto: um grito brasileiro retrata, em quase meia hora, a conturbada vida do escritor carioca e sua visão artística dos paradoxos da Primeira República. O enfoque maior do documentário é a biografia de Lima Barreto, acentuando a sua condição sociocultural como ponto preponderante para o entendimento de sua obra literária.
O próprio subtítulo do documentário é assaz esclarecedor. "Um grito" remete ao fato de Lima Barreto ser filho de pais pobres e negros, revelando como o preconceito racial e social foi o seu grande empecilho perante suas aspirações intelectuais. A expressão também revela a denúncia desse problema na escritura do seu texto literário. O termo "brasileiro" alude ao fato de sua obra se caracterizar por tentar interpretar os costumes, a cultura e a vida política de um país recém-saído da Monarquia e que não vislumbrava sequer uma tentativa de amenizar as graves contradições existentes.
O aspecto desafortunado do escritor é bastante ressaltado. Incompreendido, entregue ao alcoolismo, recolhido diversas vezes ao hospício, é morto por uma sociedade que lhe deu as costas. Além da biografia, o filme aborda o percurso intelectual de Lima Barreto, a sua incursão no campo jornalístico carioca e, sobretudo, os seus principais textos ficcionais.
A obra que é analisada com mais apuro é Triste fim de Policarpo Quaresma, publicada em 1915. Esse é o livro mais célebre de Lima Barreto, porque tece uma irônica crítica ao nacionalismo exagerado do século XIX, por meio da figura quixotesca de Policarpo Quaresma.
Nessa obra, o escritor carioca interpreta o Brasil como um drama, mostrando-nos a personagem título como uma tentativa de engendrar um projeto civilizatório na República. Sobre o assunto, o documentário traz o depoimento do ator Paulo José, que interpretou Policarpo Quaresma no cinema, em adaptação cinematográfica de 1998. O ator enfatiza a grande pergunta que o livro nos deixa é: o que fazer para o Brasil dar certo?
O documentário traz várias imagens e vídeos do Rio de Janeiro do começo do século XX, relacionados à obra de Lima Barreto, em que passeia pelos cenários descritos pelo escritor. Há depoimentos de renomados críticos literários e historiadores como Nicolau Sevcenko, Afonso Carlos Marques dos Santos, que refletem sobre o lugar de Lima Barreto na tradição literária brasileira e a permanência de sua obra.
Na parte final, o pesquisador Antonio Arnani Prado nos alerta que "temos que ler Lima Barreto, pois somos um país socialmente injusto. Somos um país onde os pobres continuam pobres e a elites continuam no lugar delas. Não é pra se aprender português que se lê Lima Barreto. Lê-se Lima Barreto para aprender a ser brasileiro."
O documentário é um excelente convite para conhecermos um pouco mais sobre a vida e a obra desse escritor, dono de um texto rico, tanto estética, quanto culturalmente, mas que morreu agrilhoado pelo alcoolismo e pelo preconceito racial.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
SIMÔES, Mônica. Lima Barreto: um grito brasileiro (Série Mestres da Literatura). TV Escola/ Polo de Imagem/ TV PUC/ Televisión América Latina. 28 min. Disponível em:
BARRETO, Lima. Triste Fim de Policarpo Quaresma. São Paulo: Editora Ática, 1998.
BOSI, Alfredo. História concisa da literatura brasileira. São Paulo: Cultrix, 2001.
MIGUEL-PEREIRA, Lúcia. Prosa de ficção (1870-1920). Belo Horizonte, Itatiaia, 1988.
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