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Curso - “A normalista e a Fortaleza da Belle Époque”


DESCRIÇÃO


O Curso “A normalista e a Fortaleza da Belle Époque” tem como objetivo ressaltar a memória literária e urbanística da capital cearense, enfatizando o romance “A normalista”, do escritor Adolfo Caminha. O romance retrata a Fortaleza no fim dos anos de 1880, classificada pelo autor como uma província atrasada, onde imperava a molecagem cearense. Em várias passagens, a cidade é retratada em suas conturbadas transformações urbanas e sociais, no afã de tornar-se uma capital “moderna”, no fim do século XIX. Contemplando cinco encontros, o curso efetuará a leitura compartilhada, discussão e análise do romance, pois, ao narrar a história da normalista, Caminha vai nos mostrando a vida em Fortaleza: as aulas da Escola Normal, os cultos na Igreja da Sé e do Patrocínio, os bondes e o trem, a imprensa, a molecagem cearense, o Passeio Público e a Praça do Ferreira. (25 vagas).



OBJETIVOS


Objetivo Geral: estudar as representações do cenário urbano de Fortaleza no romance A normalista, de Adolfo Caminha, e ressaltar a riqueza da literatura cearense e do patrimônio arquitetônico do Centro da capital.


Objetivos Específicos:

• Enfatizar as representações ficcionais do espaço urbano de Fortaleza em seus contrastes e mutações no romance A normalista;


• Mostrar e analisar o cotidiano de Fortaleza, do fim do século XIX, os costumes e as tensões sociais representadas em A normalista;


• Divulgar a História da literatura cearense e servir de ação de divulgação cultural para o público em geral;



JUSTIFICATIVA

Adolfo Caminha é um importante escritor cearense, autor de livros de renome nacional, como “A normalista” (1893) e, internacional, como “Bom-Crioulo” (1895). Dedicou-se à literatura e ao jornalismo, foi fundador da Padaria Espiritual (1892). Um dos méritos de A normalista (1893) é fazer o leitor vivenciar ficcionalmente a Fortaleza do fim do século XIX, pois Caminha provocou alvoroço, ao realizar um ‘retrato cruel da província’, em que a cidade é apresentada repleta de tipos mesquinhos, hipócritas, frívolos e degenerados, em que imperava tramas secretas, o jogo de aparências sociais e a maledicência. Narrar a história da normalista Maria do Carmo serviu como pretexto para Caminha representar criticamente a Fortaleza da Belle Époque. A cidade serve não apenas de cenário, mas como personagem relevante e a crítica social efetuada pelo escritor demonstra as tensões sociais e urbanas que existiam na cidade.



Carga Horária: 10h com 5 encontros de 2h aula


  • Aula 1 – Fortaleza: modernização e reformas urbanas

  • Aula 2 – Adolfo Caminha e sua conturbada relação com Fortaleza

  • Aula 3 – A normalista – passeando pelos logradouros de Fortaleza

  • Aula 4 – A normalista – os jornais e o Ceará moleque

  • Aula 5 – A normalista – moralidade e crítica social - tensões entre o público e o privado



Proponente: Charles Ribeiro Pinheiro - Doutor (2019) e Mestre em Letras (2011) pela UFC. Graduado em Letras pela UFC (2008), roteirista de quadrinhos e autor de livros didáticos de literatura. Vencedor do XIII Edital Mecenas (2021) SECULT-CE, com o projeto 'Padaria Espiritual em Quadrinhos' e do XII Edital Ceará de Incentivo às Artes, da SECULT-CE, com o livro “Rodolfo Teófilo Romancista”. Currículo e Portfólio, no link a seguir:



REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


AZEVEDO, Otacílio de. Fortaleza descalça. Fortaleza: Edições UFC/Casa José de Alencar, 1992.


AZEVEDO, Sânzio de. Adolfo Caminha: vida e obra. Fortaleza: Casa José de Alencar/UFC, 1997.


BARREIRA, Dolor. História da Literatura Cearense. Fortaleza: Editora Instituto do Ceará, 1948.


BENEVIDES, Artur Eduardo. Evolução da Poesia e do Romance Cearense. Fortaleza: Imprensa Universitária/UFC, 1976.


CANDIDO, Antônio. O Discurso e a Cidade. 3. ed. São Paulo; Rio de Janeiro: Ed. Ouro sobre Azul; Duas Cidades, 2004.


CAMINHA, Adolfo. A normalista. Fortaleza: Editora ABC, 1997.


MONTENEGRO, Abelardo F. O romance cearense. Fortaleza: Casa de José de Alencar/UFC, 1993.


PONTE, Sebastião Rogério. Fortaleza Belle Époque. Fortaleza: Edições Demócrito Rocha, 2001.


RAMA, Angel. A cidade das letras. São Paulo: Ed. Brasiliense, 1984.


TINHORÂO, José Ramos. A província e o naturalismo. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 1966






 

A NORMALISTA – A ATUALIDADE DE UM ROMANCE POLÊMICO


Qual a relevância do romance "A normalista", publicado em 1893, por Adolfo Caminha, escrito nos moldes do naturalismo, no qual retrata, implacavelmente, os vícios, as tramas, os dessabores, a bajulação política, as aparências sociais, a maledicência, o escárnio e a hipocrisia da sociedade de Fortaleza? Ao observar a sua estrutura narrativa e seus temas, percebemos que "A normalista" se insere na tradição dos romances que não servem apenas para o entretenimento, mas como forma de sensibilizar o leitor e de levá-lo a conhecer as intricadas relações sociais que são representadas no papel. A seguir, traçaremos um breve perfil do autor e discutiremos questões literárias e históricas expressivas acerca do polêmico romance.


O escritor, nascido no Ceará, em 1867, após perder a família durante a seca de 1877, parte para o Rio de Janeiro. Ingressou na Escola da Marinha, de onde saiu como oficial, aos vinte anos, em 1887. No ano seguinte, transferiu-se para Fortaleza, onde se apaixonou por Isabel Jataí de Paula Barros, esposa de um oficial do exército. O episódio causou escândalo em Fortaleza, forçando-o a pedir demissão da Marinha e assumir o compromisso com Isabel.


Nos primeiros anos da década de 1890, tem uma intensa atividade jornalística na capital cearense. Em 1891, funda a "Revista Moderna" e, no ano seguinte, participou da primeira formação da Padaria Espiritual, irreverente grêmio literário e artístico formando na Praça do Ferreira, liderada por Antônio Sales. Em seguida, retorna com a família para o Rio de Janeiro, onde atuou na imprensa carioca. Acometido de tuberculose, faleceu em 1897, aos trinta anos. A sua obra não é vasta, porém é muito significativa. Após a publicação de um livro de poemas "Voos incertos" (1886) e um de novelas "Judite e Lágrimas de um crente"(1887), e do diário "No país dos Ianques" (1894), publicou as suas principais obras: 'A normalista" (1893), "Bom Crioulo" (1895), "Cartas Literárias" (1895) e "Tentação" (1896).No Rio, enquanto colaborava no jornal Gazeta de notícias, publicou "A normalista", inspirado nas narrativas dos escritores franceses Émile Zola e Honoré de Balzac e, segundo o próprio autor, num artigo do livro de crítica "Cartas Literárias", é uma "singela narrativa de um escândalo de província" que retrata "com firmeza de observação, levemente penumbrada de um pessimismo irônico e sincero, que está no meu próprio temperamento" (CAMINHA).


Como salienta o pesquisador Sânzio de Azevedo, o romance "é um retrato cruel da provinciana Fortaleza", em que a cidade é apresentada repleta de tipos mesquinhos, hipócritas, frívolos e degenerados. É óbvio que Adolfo Caminha teceu um projeto ficcional, contudo não se pode ignorar o fato acontecido na sua vida. Como mencionado, anos antes, o escritor envolveu-se com uma mulher, cujo marido era oficial do Exército, e Adolfo Caminha era oficial da Marinha. Nessa época, essas instituições tinham rivalidades políticas. A publicação de A Normalista provocou alvoroço e reacendeu a cólera dos seus inimigos do Ceará. Segundo Frota Pessoa, seu amigo e biógrafo, no livro "Crítica e polêmica" (1902), a polemicidade do livro se deve porque Caminha "ferreteava individualidades poderosas fotografando com uma verdade crua uns certos aspectos da sociedade cearense" (PESSOA). Ou seja, representa Fortaleza, durante os anos de 1888 a 1889, com as suas mazelas e podridões morais e a estética naturalista foi adequada, pois o escritor utilizou seus pressupostos para embasar o seu enredo.


O Naturalismo surgiu na França, a partir da década de 1860, com o escritor Émile Zola e foi uma tentativa ambiciosa de aproximação entre a Literatura e a Ciência. Para Zola, o romancista naturalista atribui a si uma missão científica ao observar a sociedade para tentar transcrevê-la em suas obras. Não deixando espaço para o embelezamento da realidade, o olhar do escritor naturalista é um olhar cru sobre o mundo que não hesita em revelar toda a sua feiura.

Portanto, do ponto de vista científico, não havia temas morais ou imorais. No romance seguinte, "O Bom crioulo" (1895), Adolfo Caminha explorou ainda mais o naturalismo, ao narrar a história de um marinheiro negro e homossexual que nutre um caso amoroso por outro marinheiro, aperfeiçoando sua crítica social.


O mote que move a narrativa de "A normalista" é abuso sexual que João da Mata pratica contra a afilhada, Maria do Carmo. Ela, estudante da Escola Normal, foi criada pelo padrinho, depois que perdera a mãe na grande seca de 1877. Aos quinze anos, chamava a atenção de toda a cidade, pois, era "uma rapariga muito nova, com um belo arzinho de noviça, morena-clara, olhos cor de azeitonas, carnes rijas" (CAMINHA). Ela era ingênua e sonhadora e namorava Zuza, estudante de direito, filho do coronel Souza Nunes. Ele é descrito como "um rapaz da moda. Montava a cavalo, fazia versos, assinava a Gazeta Jurídica, frequentava o palácio do presidente..." (CAMINHA).


Repleto de ciúmes e obcecado pela afilhada, João da Mata usa dos mais variados meios, incluindo chantagens psicológicas e seu poder masculino, para seduzir a afilhada, sem que sua esposa ou outras pessoas desconfiassem. Segundo o narrador do livro, Maria do Carmo "para não desagradar ao padrinho, obedecia-lhe cegamente, com a resignação indolente e fria, duma escrava. Que havia de fazer, ela uma pobre filha adotiva, se o padrinho era quem lhe dava de comer e de vestir? (CAMINHA). Acuada, Maria do Carmo foi escravizada pelos caprichos perversos do padrinho, mesmo tendo "ímpetos de reagir com toda a força do seu pudor revoltado" (CAMINHA). A personagem tinha sonhos em concluir seus estudos na Escola Normal, casar-se com Zuza, ter uma casa elegante e participar da vida social da cidade, enquanto o padrinho, como um animal no cio, estava obcecado em deflorá-la até conseguir.


A cidade de Fortaleza não é apenas cenário, mas um grande personagem do romance, e nesse período, como assinala o historiador Sebastião Rogério Ponte, em "Fortaleza Belle Époque", enquanto ocorria o crescimento comercial e a concentração de capital, havia por parte da sociedade, a tentativa de assimilar padrões de comportamento e valores da burguesia europeia, vista como modelo.


A casa de João da Mata, em que ocorre os pormenores da ação dramática, é descrita como "uma casinhola de porta e janela, cor de açafrão, com a frente encardida pela fuligem das locomotivas que diariamente cruzavam defronte, e donde se avistava a Estação da linha férrea de Baturité" (CAMINHA). Só nessa passagem, do primeiro capítulo do romance, observamos dois lugares, a Rua do Trilho (atual rua Tristão Gonçalves), em que passava o trem vindo da Estação ferroviária, que hoje fica na atual Praça Castro Carreira. A modernidade estava diante da casa de João da Mata, simbolizada pelos caminhos abertos pelo progresso, mas também o seu aspecto negativo através da sujeira oriunda da fuligem dos trens.


Outros logradouros que aparecem na história: a Escola Normal, A Igreja do Coração de Jesus, o Colégio da Imaculada Conceição, a Igreja do Patrocínio, o "Casarão do Governo" (atual prédio da Academia Cearense de Letras), o Passeio Público, a Praça do Ferreira e a rua Formosa (rua Barão do Rio Branco). Nessa cartografia literária, é representada "a vida ruidosa e dissoluta das capitais, esse tumultuar quotidiano de virtudes fingidas e vícios inconfessáveis" (CAMINHA).


A crítica à cidade é endossada com maior veemência pelo personagem Zuza. Vítima das fofocas do "Ceará Moleque", considerava a província estúpida, "uma terra de bugres... [...] em que só se fala nas secas" e que "estava doido por se ver livre de semelhante canalhismo" (CAMINHA). Zuza era um modo do autor dar voz a sua indignação, para tecer uma visão negativa e demonstrar o descompasso de Fortaleza em relação ao processo de modernização, de inspiração eurocêntrica, de outras cidades, a exemplo do Recife.


A tensão civilizatória existente no romance ocorre, pois, materialmente, a província é constituída por avenidas largas, praças ornamentadas, trens, navios a vapor, jornais, mas, na esfera da vida privada, é moralmente hipócrita, em que os abusos, as violências, a patifaria e a fofoca imperavam. O escritor escolheu o tom ácido, combativo e sarcástico para reconstituir meticulosamente essa vida urbana. O desejo de ascensão social, as intrigas políticas e partidárias, as intrincadas relações familiares e afetivas e os escândalos existentes nas classes médias e nas mais endinheiradas são temas que continuam atuais. Adolfo Caminha contribuiu notavelmente para enriquecer e diversificar a ficção desenovista brasileira.

Charles Ribeiro Pinheiro


*Texto originalmente publicado no site Segunda Opinião, em 22/10/2020, disponível em: https://segundaopiniao.jor.br/a-normalista-a-atualidade-de-um-romance-polemico/




ADOLFO CAMINHA: Natural do Aracati, após perder a família em virtude da seca de 1877, vai para o Rio de janeiro morar com o tio. Aos dezesseis anos ingressou na Escola da Marinha, de onde saiu como oficial aos vinte anos, em 1887. No ano seguinte, transfere-se para Fortaleza, onde se apaixona por Isabel Jataí de Paula Barros, esposa de um oficial do exército. Por conta do escândalo, foi forçado a pedir demissão da Marinha, e assume compromisso com Isabel. Nos primeiros anos da década de 1890, tem uma intensa atividade jornalística na capital cearense, participando da já citada Padaria Espiritual. No fim de 1892, muda-se para o Rio de Janeiro, onde se emprega na Fazenda Federal. No ano seguinte, publica o romance A normalista que tem uma boa acolhida pelo público.


Segundo Frota Pessoa: “A sua vida misérrima de empregado público ia sendo arrastada com mil pequenas privações. A família cresceu-lhe, vieram-lhe os filhos, e o ordenado tornava-se insuficiente para os mais urgentes gastos. Os martírios dessa fase da sua vida são pungentes. Publicou, apesar de tudo, mais dois livros, Bom Crioulo e Cartas literárias. escreveu a Tentação e os Pequenos contos, começou a Trad. do teatro de Balzac, lançou as bases de duas obras de fôlego, Ângelo e O Emigrado, e fundou a Nova Revista, que saiu à luz por quase um ano” (1902, p. 222-223).


Depois de muitas dificuldades, com a saúde precária, falece de tuberculose em 1897, aos 29 anos. Segundo o seu confrade, Frota Pessoa, que lhe escreveu um perfil na obra Crítica e polêmica, nos relata que o escritor sempre lutou pelo reconhecimento de seu talento literário, para isso “foi o gladiador intemerato, todo de ação e de arrojos. Este não guardou consigo as suas revoltas, trouxe-as para a divulgação da imprensa e bateu-se pelas suas ideias com um ardor de propagandista”. (1902, p. 86).




O crítico cearense Araripe Júnior sobre A normalista (1893), de Adolfo Caminha:


“Quem quiser conhecer a cidade de Fortaleza e intoxicar-se um pouco com a barbaria semi-civilizada de uma capital provinciana, onde reina o babismo em todo o seu furor, não tem mais do que abrir o livro de Adolfo Caminha e entregar-se à leitura de suas páginas sem preocupação de crítico. Reproduzo o que escrevi algures. Enquanto se lêem aquelas páginas, vive-se um pouco no Ceará. Os acidentes físicos estão todos nos seus lugares. As ruas principais da cidade, o Passeio Público, o Trilho, o Pajeú, o Mucuripe, surgem aqui, ali, sugestivos e pitorescos. Os aspectos particulares dos costumes cearenses confundem-se a todo instante com a ação do romance.”


JUNIOR, Araripe. “Movimento literário do ano de 1893”. In: Obra crítica de Araripe Júnior. Rio de Janeiro: Ministério da Educação e Cultura, Casa de Rui Barbosa, 1863. v. III. p. 171.

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